[ESTUDO] - Comunidade Quilombola Sutil de Ponta Grossa-PR

                            

O resumo abaixo é parte de um trabalho de pesquisa dentro do Curso de Bacharelado em História na UEPG, sobre a Comunidade Remascente Quilombola (CRQ Sutil) realizado durante o ano de 2025 e foi apresentado no 2° Colóquio, Patrimônio e Educação - Patrimônios em Risco da Associação de Preservação do Patrimônio Cultural e Natural (APPAC) no mês de Setembro de 2025, na UEPG. 


POLÍTICAS DE REPARAÇÃO E O QUILOMBO SUTIL: MEMÓRIA, TERRITORIALIDADE E LUTA POR DIREITOS EM PONTA GROSSA (PR)


RESUMO

O presente trabalho analisa a relação entre políticas de reparação e direitos territoriais na Comunidade Quilombola do Sutil (Ponta Grossa-PR), cujo território e práticas culturais possuem valor histórico, simbólico e identitário. Busca-se compreender como políticas públicas, instrumentos legais e ações institucionais atuam no processo de reconhecimento e titulação da terra, preservando a cultura e dignidade. Fundamentado nos conceitos de memória, identidade, territorialidade e patrimônio cultural, o trabalho utilizou legislações, entrevistas, visita de campo e outros documentos oficiais. Apesar da certificação em 2005 e do processo de titulação em curso, persistem entraves como demora administrativa, falta de articulação interinstitucional e os riscos ao patrimônio cultural. Conclui-se que a reparação efetiva exige regularização fundiária e salvaguarda cultural.

PALAVRAS-CHAVE: patrimônio; identidade; legislação; direitos.

INTRODUÇÃO 

A escravidão marcou profundamente a formação social brasileira, cujas consequências ainda se manifestam em desigualdades raciais, territoriais e econômicas. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 68, reconheceu o direito das comunidades remanescentes de quilombo à titulação de suas terras, constituindo um marco legal para a reparação histórica. Contudo, mais de três décadas após sua promulgação, verifica-se que a efetivação desses direitos encontra entraves administrativos, jurídicos e políticos, sobretudo em nível estadual e municipal

Nesse cenário, destaca-se a Comunidade Quilombola do Sutil, em Ponta Grossa (PR).  Certificada pela Fundação Cultural Palmares em 2005 e com processo de titulação em andamento junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a comunidade ainda não obteve a regularização definitiva, o que limita o acesso a políticas públicas e compromete a preservação de suas práticas culturais e identitárias.

 A relevância deste estudo está em compreender como as políticas de reparação têm sido aplicadas à comunidade, apontando avanços, lacunas e contradições entre os marcos legais e a realidade empírica. O Quilombo Sutil expressa, assim, uma condição comum a diversas comunidades quilombolas brasileiras: o reconhecimento formal sem a efetivação plena de direitos. Assim sendo, temos o objetivo de analisar as políticas de reparação aplicadas ao Quilombo Sutil, discutindo seus impactos, desafios e a relevância simbólica da memória da escravidão no processo de reconhecimento e titulação territorial. A pesquisa adota abordagem qualitativa, combinando análise documental e bibliográfica, com seleção de fontes segundo critérios de relevância, atualidade e relação direta com a Comunidade Quilombola Sutil (CRQ Sutil). Foram incluídos documentos oficiais como o Registro Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do INCRA, legislações como a Constituição Federal (artigo 68 do ADCT), o Decreto nº 4.887/200. Também foram consultados dados institucionais disponibilizados nas páginas oficiais do Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR) e legislação variada.


DESENVOLVIMENTO

A discussão sobre políticas de reparação no Brasil relaciona-se diretamente à memória da escravidão e às lutas negras por cidadania. As historiadoras Hebe Mattos e Martha Abreu (2009) destacam que a memória do cativeiro se tornou elemento central na reivindicação territorial, legitimando demandas quilombolas. Nesse sentido, o direito à reparação não se restringe à dimensão fundiária, mas envolve também a valorização cultural e simbólica da ancestralidade. Segundo Joseane Brandão (2020), a reparação exige tanto redistribuição territorial quanto reconhecimento cultural. Em termos legais, a Constituição de 1988 representou um marco nesse sentido, e o Decreto 4.887/2003 ampliou os critérios de autoidentificação e presunção da ancestralidade como fundamentos para o escopo jurídico da reparação.

Os avanços, no entanto, se consolidaram graças à pressão dos movimentos negros, especialmente a partir das décadas de 1970 e 1980. O relatório do Grupo de Trabalho Clóvis Moura (2008) alertava que o Paraná foi historicamente representado como “terra de imigrantes europeus”, silenciando comunidades negras tradicionais. Assim, conquistas como a certificação quilombola devem ser entendidas como resultado de disputas e não concessões do Estado.

No caso da Comunidade Quilombola do Sutil, reconhecido pela Fundação Palmares em 2005 (Portaria nº 32/2005) e listado pelo IPHAN em 2020, a visibilidade conquistada resulta da resistência da comunidade diante do apagamento histórico. Apesar de medidas simbólicas municipais e estaduais, como programas habitacionais, a adesão à Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (PNGTAQ) e a criação da Semana Municipal da Comunidade Quilombola (Lei nº 15.451/2025), a titulação das terras permanece pendente. No Paraná, nenhuma das 38 comunidades certificadas possui título de propriedade (MPPR, 2025), revelando a distância entre a previsão legal e a realidade. Assim, o Quilombo Sutil exemplifica uma reparação incompleta: há reconhecimento oficial, mas sem efetividade plena dos direitos.

RESULTADOS E DISCUSSÕES 

O direito à reparação deve ser entendido como processo que articula duas dimensões: a redistribuição de recursos (territórios) e o reconhecimento cultural de populações historicamente marginalizadas. Na perspectiva de Honneth e Fraser, retomada por Brandão (2020, p. 6), a reparação exige que o Estado não se limite a gestos formais de visibilidade, mas assegure condições concretas de existência digna, cidadania plena e preservação cultural.

No caso quilombola, isso implica regularização fundiária, políticas de salvaguarda do patrimônio imaterial e inclusão social efetiva. Embora a legislação brasileira ofereça arcabouço robusto (CF/1988; Decreto nº 4.887/2003; Portaria IPHAN nº 135/2023) para esse processo, o Quilombo Sutil enfrenta descompasso entre norma e prática. Inclusive a Portaria IPHAN nº 135/2023, por sua vez, fortalece a dimensão cultural ao regulamentar o tombamento de documentos e sítios históricos vinculados aos quilombos, valorizando memória, oralidade e justiça. Portanto, existe um respaldo legal que assegura o direito à terra, ao patrimônio cultural e à reparação histórica.

Entretanto, o estudo de caso do Quilombo Sutil revela um descompasso entre a norma e a prática. Essa discrepância evidencia que a reparação tem sido reduzida a ações parciais e simbólicas — como entrega de casas populares ou celebrações oficiais — que, embora importantes, não asseguram autonomia comunitária. A situação é agravada pela morosidade administrativa e pela influência de interesses privados, fatores que atrasam a titulação e a efetivação de políticas públicas. Estimativas da organização Terra de Direitos (2024) indicam que, no ritmo atual, a regularização total das áreas quilombolas no Brasil levaria séculos, o que evidencia a insuficiência institucional.

Diante desse quadro, a política de reparação vivenciada pelo Quilombo Sutil exemplifica o que moradores denominam “reconhecimento que não reconhece”. Para superar essa lacuna, recomenda-se: urgência em concluir a regularização fundiária; garantia de apoio técnico-jurídico; articulação da titulação coletiva com programas de desenvolvimento e, a longo prazo, instituição de políticas permanentes de reparação, que assegurem dignidade e preservação cultural ao Quilombo Sutil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória do Quilombo Sutil evidencia a distância entre reconhecimento formal e efetivação de direitos. A reparação histórica não pode se limitar ao simbólico, pois exige medidas concretas de redistribuição territorial, investimento em infraestrutura, preservação da memória coletiva e participação efetiva das comunidades nas decisões que as dizem respeito. Apenas assim se assegurará dignidade e a preservação cultural necessária à reprodução das comunidades remanescentes de quilombos.

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Joseane Paiva Macedo. Quilombos, política federal de patrimônio e reparação. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 28, p. 1–29, 2020. DOI: 10.1590/1982-02672020v28d2e57. Disponível em: https://revistas.usp.br/anaismp/article/view/165856. Acesso em: 7 jun. 2025.

BRASIL. Constituição (1988). Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/legislacao/seguranca_alimentar/_doc/leis/1988/Constituicao%20Federal%
20de%201988%20-%20Titulo%20X%20-%20Art%2068.pdf
. Acesso em: 16 maio 2025.

GRUPO DE TRABALHO CLÓVIS MOURA. Relatório 2005-2008. Curitiba: Governo do Estado do Paraná, Instituto de Terras, Cartografia e Geociências (ITCG), 2008.

IPHAN; FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Comunidades quilombolas certificadas. Disponível em: https://www.ipatrimonio.org/wp-content/uploads/2021/01/ipatrimonio-Quilombos-certificados-2020-Fonte-Fundacao-Palmares.pdf. Acesso em: 16 maio 2025.

MATTOS, Hebe; ABREU, Martha. Remanescentes das Comunidades dos Quilombos: memória do cativeiro, patrimônio cultural e direito à reparação. Habitus: Revista de Graduação em Ciências Sociais, Goiânia, v. 7, n. 1/2, p. 265–288, jan./dez. 2009.

PERIÓDICO UEPG. Colônia Sutil sobrevive às margens da rodovia e do poder público. Disponível em: https://periodico.sites.uepg.br/index.php/todas-as-noticias/115-cidade-e-cidadania/713-colonia-sutil-sobrevive-as-margens-da-rodovia-e-do-poder-publico. Acesso em: 08 maio 2025.

PROJETO VOZ ATIVA. Comunidade Sutil. Disponível em: https://projvozativa.blogspot.com/p/comunidade-sutil.html. Acesso em: 08 maio 2025.

QUILOMBOS PR; FEDERAÇÃO QUILOMBOLA. Histórico das comunidades quilombolas do Paraná. Disponível em: https://quilombospr.blogspot.com/2009/07/historico-das-comunidades-quilombolas.html. Acesso em: 08 maio 2025.

TERRA DE DIREITOS. Finalização da titulação de territórios quilombolas pode acontecer apenas no ano de 4732. Terra de Direitos, 25 abr. 2024. Disponível em: https://terradedireitos.org.br/noticias/noticias/finalizacao-da-titulacao-de-territorios-quilombolas-pode-acontecer-apenas-no-ano-de-4732-havera-mundo/24013.Acesso em: 18 maio 2025.

TRIBUNA DO PARANÁ. Provopar investe na geração de renda na comunidade. Disponível em: https://www.tribunapr.com.br/noticias/provopar-investe-na-geracao-de-renda-na-comunidade-negra-de-sutil/. Acesso em: 08 maio 2025.

Autoria desse resumo: 
Emerson Rodrigues (E-Kan) (Graduando de Bacharelado em História), Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG. E-mail: 24002390@uepg.br.) Elizabeth Santos de Souza (Doutora em História, Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG. E-mail: elizabethssouza@uepg.br.)




OBSERVAÇÃO: 
A presente publicação, faz parte de uma série de estudos sobre Comunidades Quilombolas e Indígenas do Paraná, realizados por E. E-Kan e trata-se de um trabalho cauteloso e metodológico a médio e longo prazo, porque exige tempo para pesquisa e estudos. E essa é a sua singela e respeitosa contribuição para com a História, a Memória, a Resistência e o Direito de Reparação às Comunidades Negra e Indígena do Paraná em face da criminosa e inenarrável violência da hedionda escravização sofrida ao longo dos tempos. 



OBSERVAÇÃO 2: Avisamos respeitosamente que, caso haja alguma inconsistência informacional, por favor, nos comunique pelo e-mail: cnparanaense@gmail.com -. Também, fica o convite para todos em todas as Comunidades Quilombolas e Indígenas do Paraná para nos enviar, no mesmo e-mail, suas histórias, fotos e informações para futuros estudos e publicações aqui e em artigos acadêmicos dentro do Curso de Bacharelado em História da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). 



OBSERVAÇÃO 3: sugerimos que conheçam o belíssimo trabalho de Ligiane Ferreira sobre o Quilombo Sutil no Instagram>>> A Glória do Meu Quilombo>>>






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